#SetembroAzul Entrevista com Nuccia de Cicco

Olá, leitores! Como vão?

Como sabem, essa semana está sendo especial aqui no blog, pois estamos comemorando o Setembro Azul e hoje é o Dia Internacional da Pessoa Surda. Caso queira saber mais, veja aqui!

Trouxe uma entrevista maravilhosa com a autora do livro "Pérolas da minha surdez", a Nuccia de Cicco. Vamos conhecer um pouco dela e do livro?

Sinopse: Música, buzina, despertador e então... silêncio. Como se acostumar a não ter som e precisar aprender a se comunicar novamente?As pessoas dizem verdadeiras pérolas sobre surdez, pois a maioria desconhece o assunto. Não compreendem o que é lidar com a ausência de um sentido tão importante, algo que sempre teve, sempre fez parte da sua vida, até o perder. E, então, ter de reinventar todas as suas verdades.
Nesta obra, a autora narra experiências de sua vida após o diagnóstico de surdez total irreversível, buscando ampliar o (re)conhecimento sobre o tema na sociedade. São histórias singulares, divertidas e complicadas, sobre paixões, curiosidades, tecnologias, preconceito, aprendizado e, principalmente, luta e força de vontade.
Um livro que trilha o caminho em direção dos que almejam encontrar respeito aceitação e voz.


Sobre a autora: Nuccia De Cicco é bióloga, Doutora em Bioquímica, escritora, poetisa, bailarina e blogueira. Carioca de paixão, moradora de Santa Teresa, bruxa até o fundo da alma, é apaixonada por livros, viciada em seriados, louca por tatuagens e lambidas caninas, além de ter uma queda saudável por cafajestes. Aos 27 anos, uma doença genética a deixou surda e, desde então, ela luta contra seus próprios dilemas, contra as dificuldades do mundo silencioso e o preconceito auditivo de quem ouve. Suas histórias foram publicadas no livro “Pérolas da minha surdez”, uma obra cheia de luta e força de vontade.

E agora, vamos a entrevista:

DNA: Olá Nuccia! Agradeço por reservar um tempinho para responder minhas perguntas.
Primeiramente, gostaria de que você contasse um pouco sobre você e sobre sua surdez. Como foi perder a audição? 
Nuccia: Falar de mim mesma sempre foi uma tarefa difícil e olha que escrevi um livro biográfico... rsrs... Mas eu me defino como uma pessoa “normal”, tenho qualidades (inteligência, simpatia, apaixonada, risonha) e defeitos (organizada demais, fico irritada com facilidade, teimosa). Sou formada em biologia, tenho mestrado e doutorado em bioquímica, sou bailarina, sou escritora, sou leitora e blogueira (Conheça 1001 Nuccias). Trabalho como técnica em um laboratório voltado para o ensino de ciências para surdos na UFRJ. E sou surda há quase 10 anos, ou seja, eu já estava adulta quando a surdez começou. E é disso que fala meu primeiro livro solo, o “Pérolas da minha surdez”: como foi a transição de ouvinte para surda, o que levou isso a acontecer, como as pessoas encaram um surdo oralizado (aquele que fala bem e em bom português, e não usa sinais) ou um surdo bilíngue (que usa as duas línguas para se comunicar), como foi continuar a carreira de bailarina após a surdez, além de contar um pouco sobre surdez em geral, história, tecnologias, curiosidades e outras biografias.

DNA: Você se considera uma militante da comunidade surda? Poderia nos contar quais são as maiores conquistas e dificuldades pelas quais vocês passam?
Nuccia: Apesar de ser surda ou pessoa com deficiência auditiva (veja só, eu NÃO SOU deficiente auditiva, eu TENHO deficiência auditiva, pode parecer o mesmo, mas não é), eu não faço parte da comunidade surda. A comunidade surda é formada por surdos e ouvintes que têm a cultura surda como base, ou seja, que vivem nela desde o nascimento (ou que abraçam a causa de forma completa), usam Libras (Língua Brasileira de Sinais) como comunicação, tem suas próprias datas comemorativas e até tendem a ter a mesma religião. Ter me tornado surda não me inclui automaticamente na comunidade, é preciso afinidade social e cultural, além de, claro, ser aceita. Uso a Libras como forma de comunicação, mas minha língua preferencial é o português, além disso a minha cultura é a ouvinte, é como fui criada.
Independente disso, eu trabalho e converso com muitos surdos que fazem parte da comunidade surda e outros tantos que não fazem parte, de tal forma que posso, sim, lutar pelos direitos, por acessibilidade, por um mínimo de justiça e inclusão, além de também enfatizar nossos deveres. Eu sou mais uma ponte entre estes dois lados da surdez.Portanto, não posso me considerar militante da comunidade surda, mas sou militante surda, sim.
Das conquistas, posso citar a Lei de Acessibilidade, Lei que oficializou a Libras como língua oficial do país, a Lei de Inclusão, as Leis que definiram as datas comemorativas dos surdos, escolas bilíngues, acesso à universidade, aplicativos de tradução, criação do curso de graduação Letras-Libras, formalização da profissão do intérprete, entre outras.
Existe uma gama imensa de dificuldades e a maioria surgiu em conjunto com cada conquista. A principal delas é fazer as leis serem cumpridas. Não adianta nada existir uma lei de inclusão se as escolas e estabelecimentos culturais ou de ensino não a fornece. Museus, cujas exposições apresentam painéis com textos enormes em um português rebuscado. Planetários, cujas apresentações são exclusivamente orais.
Mas, ser acessível para um surdo não significa APENAS ter intérpretes ou vídeos em Libras. Existem surdos que não usam sinais, não gostam, não querem, não preferem. Então, um equipamento com legenda é importante também. É cada vez mais difícil ter sessões legendadas nos cinemas. Muitos filmes estrangeiros só são disponibilizados dublados. Filmes nacionais ou animações com legenda? Pfff... Hotel nenhum no Brasil tem quarto adaptado para surdos!
E quando o problema não é o estabelecimento, porém a pessoa que atende? Atendentes de locais públicos não sabem nem o básico de sinais. Quando você pede para escrever, já que você não escuta e ele se recusa a falar olhando pra você, fazem cara feia. Sabe como é o atendimento do Riocard Especial, o cartão de ônibus, na sessão de deficientes? Eles te chamam para atendimento gritando seu nome! Como assim?? (DNA: Eu to chocada aqui :o)
Se eu foi minuciar cada dificuldade, a entrevista não acaba!

DNA: Ainda acho que há muita falta de informação e preconceito com pessoas surdas. Quais as principais demandas que precisam ser observadas e melhoradas?

Nuccia: Primeiro, desmistificar a ideia que todo surdo é mudo. Surdos NÃO SÃO mudos. Alguns não aprendem a falar por não terem tratamento fonoaudiólogico no início do desenvolvimento. Outros não falam porque não veem necessidade já que a língua de sinais serve a eles muito bem. E outros, como eu, não sabem bem a hora de ficar calados. Rsrs...
Também sumir com o pensamento de que somos coitados por não conseguirmos nos comunicar. Nós conseguimos nos comunicar, sim. Existe a língua de sinais (e não é linguagem! São conceitos diferentes), existe leitura labial, existe whatsapp e aplicativos tradutores e existe papel e caneta para escrever.
Como disse antes, dificuldades existem de sobra, mas um pouquinho de avaliação de uma situação seria suficiente para ajudar. Exemplo: se um surdo vai ao médico, porque a atendente se recusa a avisá-lo da consulta por outros meios, precisa ser em voz alta? Se um surdo vai ao museu, porque não há um equipamento ou um aplicativo que tenha vídeo em libras ou legende a exposição? Ou mais simples ainda: se você para uma pessoa para perguntar algo e descobre que ela é surda, por que virar as costas e ir embora? Basta falar de frente e um pouco mais pausado. E se o surdo não conseguir fazer leitura labial, pode escrever.

DNA: Sobre o seu livro, como surgiu a ideia de escrever sobre sua surdez?
Nuccia: Ah! O facebok até me “lembrou” isso essa semana... Em 2011-2012 eu comecei a fazer uma série de postagens de desabafo com a tag #pérolasdaminhasurdez, como uma brincadeira com as “pérolas do enem”. O que fazia era compartilhar as perguntas e expressões que eu recebia na rua quando dizia ser surda. As postagens foram tão compartilhadas e tão comentadas que eu fiquei espantada. Mas... nem assim a ideia do livro surgiu pra mim. O que me fez engatar na ideia foi uma amiga ter falado sobre isso comigo, me incentivado a realmente tentar. Então, anos depois, com o doutorado finalizado, é que dei um gás, fiz as pesquisas e cursos de escrita e o livro finalmente tomou forma.

DNA: E você tem outras indicações de literatura surda?
Nuccia: Eu tenho várias! No Pérolas tem um capítulo totalmente dedicado a apresentar outras biografias com o tema, de surdos conhecidos pessoalmente ou não, como por exemplo, os livros da Paula Pfeiffer “Crônicas da Surdez” e “Novas crônicas da surdez – epifanias do implante coclear”, o livro “Ouvindo do Silêncio” do meu amigo Armando Nembri, o livro “Desculpe, não ouvi”, da também amiga Lak Lobato e o último da Patrícia Witt, “Silêncio em voo de borboleta”.
Agora estou a procura de livros ficcionais, que tratam da surdez em sua história, seja através de um personagem ou de um evento. São raros, mas existem: “Mãos ao Vento”, de Sylvia Grespan Neves, “Palavras Mudas” (conto), de Francine Porfírio, e (pasmem) “Talvez um dia”, de Colleen Hoover.

DNA: Para você, qual a importância do Setembro Azul e do dia nacional e internacional do surdo?
Nuccia: Então, como disse antes, eu não faço parte da comunidade surda. Mas nem por isso deixo de entender suas lutas, conquistas e dificuldades. Muitas dessas são minhas também, mesmo estando do lado de fora da comunidade, porque eu sou surda profunda, surdez não tem cura e nenhum aparelho pode me auxiliar (aliás, não é porque um surdo usa aparelhos ou implantes que deixa de ser surdo, ok?). Então, pra mim, o Setembro Azul tem sua importância, sim, da mesma forma que o Dia do Surdo no Brasil e no exterior. São os meios de mostrar a importância da inclusão, do pensamento crítico, da conscientização sobre o indivíduo surdo. São meios de ampliar a divulgação das formas de inclusão diária, do jeito como você pode conversar com um surdo sem ter um ataque do coração ou sem grosseria, são maneiras de você aprender a evitar a surdez e a se cuidar para que não chegue a passar por isso. Como toda e qualquer campanha de conscientização, é tão importante quanto viver, pois é parte de mim, do que sou agora.

DNA: Por fim, deixo o espaço aberto para o que mais você queira e ache importante falar.
Nuccia: O mais importante é ter a mente aberta e empatia. A surdez é imprevisível: você pode estar bem hoje e acordar surdo no dia seguinte. Pode perder gradativamente por um tumor ou nunca conseguir uma explicação médica. Pode perfurar o tímpano em um acidente ou só ouvir música em volume exagerado. Além disso, a surdez é invisível: sem usar as mãos para sinalizar e sem ter aparelhos nos ouvidos, como você sabe se a pessoa é surda ou não? E se ela ainda falar, fica mais difícil de acreditar na surdez. Muitas pessoas ainda acham a surdez vergonhosa, escondem sua condição, se recusam a aceitar e a encontrar formas tecnologicamente possíveis de melhorar sua vida. Tudo isso porque ser diferente na sociedade é sinônimo de piadas, de retrocesso, de coitadismo, de incapacidade. E, puxa... Não somos coitadinhos! A surdez não me tirou a capacidade de amar, de sonhar, de trabalhar, ler, escrever, estudar, dançar. Ser surda não me impede de namorar, ter filhos, saltar de paraquedas, de olhar o mar, ou ir em shows de rock. A gente aprende a se comunicar de outro jeito, só isso. Então, não nos trate com indiferença, pare e pense no que você pode fazer para que esse abismo cultural possa ser ultrapassado. Com empatia, o mundo vai longe.

MUITO OBRIGADA POR ESSA ENTREVISTA MARAVILHOSA NUCCIA!

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Cidade Universitária - Rio de Janeiro – RJ
CEP 21.941-971

Participação em Antologias:


Amor e Morte – Editora Ixtlan (2014)
Sombras e Desejos – Editora Ixtlan (2014)
Eu me ofereço-Tributo a Stephen King – Editora Illuminare (2015)
Vida e Verso – Editora Illuminare (2015)
Minicontos Coloridos – Editora wwlivros (2015)
Através da Escuridão – Independente (2015)
Perdoe-me - contos dramáticos – Editora Illuminare (2016)
Ardente &Caliente-cuentos de pásion – Editora Illuminare (2016)




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