Todo mundo já ouviu falar do
mais famoso livro de Machado de Assis: Dom Casmurro. Alguns leram por obrigação
no colégio, outros por opção e, quem não leu, sabe da maior dúvida que permeia
a literatura brasileira, pois o assunto é recorrente no mundo dos leitores.
Capitu traiu ou não seu marido?
Há quem diga que Capitu é
inocente, pois a história é contada pela visão deturpada e ciumenta de
Bentinho. Outros acreditam que Capitu realmente deu sinais de que teve um
romance com Escobar, o melhor amigo de Bentinho e que seu marido estava
completamente certo em desconfiar da morena de olhos de cigana oblíqua e
dissimulada.
Mas afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho?
A grande sacada de Machado foi deixar essa dúvida no ar. E deu certo, afinal, o livro foi lançado há mais de cem anos atrás e continua sendo tema de discussão entre os leitores e até no meio acadêmico.
"Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios."
Bento Santiago é um advogado da
elite do Rio de Janeiro e narrador de Dom Casmurro, onde conta suas memórias
acerca de sua vida, de seu casamento com Capitu e sua insistente ideia de que
ela o traiu com Escobar. É importante ressaltar que toda a história é contada a
partir do seu ponto de vista, o que pode não ser muito confiável. E este é um
dos argumentos dos defensores de Capitu.
Antigamente, adultério era
crime, mas a pessoa só era considerada culpada se o cônjuge fosse pego em
flagrante no ato da traição, o que não ocorreu na história de Dom Casmurro. Mas
ainda assim, Bentinho começou a alimentar suas dúvidas e paranoias e começou a
ver em seu próprio filho, Ezequiel, o retrato da traição de Capitu. Ele achava
que Ezequiel era muito parecido com seu melhor amigo e, sem um exame de DNA naquela
época, a dúvida corroía Bentinho por dentro.
Há dois pontos a serem
destacados nessa parte. Existe uma probabilidade de que Bentinho fosse
infértil, já que ele e Capitu tentaram muitas vezes ter uma criança e nada, até
que um dia, ela engravidou. Entretanto, isso não prova nada, essas coisas
acontecem. A favor de Capitu, porém, existe a teoria de que Bentinho estava
cego pelo ciúme, ainda mais depois de ver a peça de Shakespeare, Otelo. O
personagem de Shakespeare mata sua mulher, Desdêmona, após dar ouvidos às
intrigas de Iago, o vilão, de que sua mulher havia o traído. Bento via Capitu
como sua Desdêmona. E essa peça só aumentou seu ciúme e seu desprezo pelo
próprio filho.
“Mas Carla, até agora você não
respondeu se Capitu é culpada ou inocente.” – Calma, pequeno gafanhoto, uma
dúvida que trespassa os séculos não é simples de ser resolvida. Sempre haverá
os que acreditam em uma teoria ou outra. Aliás, a sociedade muda com o tempo e
com isso, Dom Casmurro (e outros livros) ganham novas interpretações.
Quando foi lançado, o livro de
Machado de Assis tinha um veredito: Capitu traiu Bentinho. Afinal, por que não
acreditar no confiável homem branco e rico que vos narra a história a partir de
seu ponto de vista? Sem questionarem, acreditaram na palavra do protagonista e
condenaram Capitu. Até porque, a mulher demonstrou em vários momentos ser
dissimulada e bastante ousada para a época, em se tratando de sua personalidade.
Entretanto, os anos passaram, as
mulheres foram conquistando direitos, as lutas femininas ganharam força e
Capitu foi conquistando defensores (principalmente, defensoras). E elas se
perguntaram novamente: “afinal, por que acreditar no homem branco e rico que
vos narra a história a partir de seu ponto de vista?”. Somado isso ao ciúme
doentio de Bentinho, fazem a sua palavra tornar-se, no mínimo, duvidosa. Isso
me lembra de algo que a escritora Chimamanda Ngozi Adichie disse uma vez: o
perigo de uma história única. O leitor só vê um lado da história e, envolvido
pelo discurso do protagonista, não percebe a parcialidade que Bentinho narra
sua vida.
Veja também: Sejamos todos Chimamanda Ngozi Adichie
Há coisas estranhas, sim. Como o
porquê da viúva de Escobar ter cortado relações com Capitu. Ou o afastamento de
Dona Glória, mãe de Bentinho, da casa. Mas ainda mais estranho, são as paranoias
do narrador e os absurdos que ele faz em nome dessa desconfiança em sua mulher.
Há quem diga que Bentinho sofria de esquizofrenia, por conta das vozes que ele
ouvia. Outros ainda sugerem que ele não sentia ciúmes de Capitu, mas sim, de
Escobar, pois ele teria sentimentos platônicos por seu amigo desde a época da
adolescência. Uma teoria possível, mas pouco provável, em minha opinião.
Eu sempre gosto de pensar em Capitu sem Bentinho, como ela realmente seria sem ser através do olhar do Dom Casmurro?
Se eu tivesse que dar um veredito,
eu inocentaria Capitu. E ainda ousaria dizer que ela vivia um relacionamento
abusivo, mas não vamos criar polêmicas, né? Ou vamos?
Ok, parei.
A questão é que, ainda que Capitu houvesse o traído, isso não daria o direito dele fazer o que fez com Ezequiel, fosse seu filho ou não.
Apesar de minha opinião, acredito que tanto Capitu quanto Bentinho merecem o benefício da dúvida e é por isso que o maior dilema da literatura persiste por tantos anos. Quem poderia nos
tirar essa dúvida já não está mais entre nós e, ainda que estivesse, não sei se
ele contaria. Ao que tudo indica, Machado queria mesmo semear a discórdia entre
seus leitores. Suas histórias, muitas vezes, dizem mais naquilo que não é dito
explicitamente.
Mas me diga, para você, Capitu é culpada ou inocente? Você concorda com algumas das teorias citadas? Ou tem alguma nova?
Fontes: 1 - 2 - 3
Fotos: 1 - 2 - 3 - 4