Por que preferimos os vilões aos mocinhos?


Eu terminei de ler um livro chamado “Mentes Perigosas – O psicopata mora ao lado”, da Ana Beatriz Barbosa Silva. Eu comprei por indicação da Cláudia Lemes, do canal Serial Chicks e também autora de Eu vejo Kate e Um Martini com o Diabo. Sempre me interessei sobre o assunto da psicopatia e essas coisas da mente humana e com esse livro, eu pude aprender um pouco mais sobre a mente dos psicopatas.

Porém, em vez de eu fazer uma resenha do livro, eu resolvi fazer este texto, uma reflexão sobre algo que a autora e psiquiatra Ana Beatriz comentou nas últimas páginas de Mentes Perigosas. Ela falou, em resumo, que a nossa sociedade, da forma como está – individualista, relativista e instrumentalista – é favorável para a psicopatia. Eu vou explicar melhor ao longo do texto.

"Como animais predadores, vampiros ou parasitas humanos, esses indivíduos sempre sugam suas presas até o limite improvável de uso e abuso. Na matemática desprezível dos psicopatas, só existe o acréscimo unilateral e predatório, e somente eles são os beneficiados."

Segundo este livro, os psicopatas tem certas características que podemos observar. Não é algo universal nem objetivo, já que a mente dos psicopatas ainda é um tanto obscura para a ciência, mas dá para suspeitar e nos prevenir do ataque desses seres. Antes de tudo, eu gostaria de desmistificar algumas coisas que aprendi durante a leitura e com as minhas pesquisas sobre o assunto.

SkoobNa verdade, só falarei o básico mesmo. Por exemplo, psicopatas nem sempre vão ser aquelas pessoas estranhas, quietas e suspeitas, pelo contrário, psicopatas sabem ser simpáticos, persuasivos e bajuladores quando tem algum interesse.

Outra coisa importante que muita gente confunde: nem todos os psicopatas chegam a matar. Muitos assassinos cruéis e serial killers são psicopatas, mas não é unanimidade. Nem todos os psicopatas chegam ao ponto de tirar a vida de alguém, há níveis de psicopatia (leve, moderada e severa), variando os tipos de transgressões em cada nível. Mas como a própria autora fala “é importante ter em mente que todos os psicopatas são perigosos e desprezam a vida humana, independentemente do nível de gravidade”, ou seja, apesar de não chegar a cometer assassinatos, um psicopata ainda é perigoso e pode estragar sua vida de outras maneiras.


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Mas em suma, todos os psicopatas têm características em comum. São elas: mentiras compulsivas e a falta de constrangimento quando desmascarados; egocentrismo (é comum o narcisismo estar presente na psicopatia); ausência de remorso e empatia; pobreza de emoções; impulsividade (buscando “prazer, satisfação ou alívio imediato”); autocontrole deficiente (“denominados ‘cabeça quente’ ou ‘pavio curto’ por sua tendência a responder às frustrações e ás críticas com violência súbita, ameaças e desaforos.”); necessidade de excitação; dificuldade em seguir as regras sociais (ele as conhece, mas não se importa em segui-las); e falta de responsabilidade. Essas são algumas das principais características comuns em psicopatas.


Sabendo disso, voltemos agora para o que eu havia falado no início, sobre o que a autora chama de “cultura psicopática”. Basicamente, vivemos numa sociedade onde o principal objetivo é a realização e satisfação pessoal. Temos essa visão mais individualista do mundo, em que nossos deveres com as outras pessoas são secundários aos nossos desejos e vontades.

“O individualismo prega a busca do melhor tipo de vida a se usufruir. Entende-se como o melhor tipo de vida aquele que abrange o autodesenvolvimento, a autorrealização e a autossatisfação. De acordo com essa concepção o indivíduo tem a obrigação moral de buscar sua felicidade em detrimento de qualquer outra obrigação para com os demais.
Segundo o relativismo, (…) qualquer ação que leva o indivíduo a atingir a autossatisfação é válida e não pode ser questionada.
O instrumentalismo afirma que o valor de qualquer coisa fora de nós é apenas um valor instrumental, ou seja, o valor das pessoas e das coisas se resume no que elas podem fazer por nós.”

À primeira vista, parece um exagero da autora falar que temos uma cultura favorável ao florescimento da psicopatia, mas se pararmos para pensar faz um pouco de sentido. Darei alguns exemplos para ser mais fácil de entender.

Não é preciso ir muito longe. No próprio meio geek, vemos uma mudança de uns tempos para cá, das preferências dos fãs em relação aos personagens. Por que preferimos os vilões aos mocinhos? Por que gostamos tanto de Loki, Darth Vader, Voldemort (Umbridge não, essa mulher não tem como), Coringa (esse é um que, inclusive, é considerado um psicopata e algumas pessoas, irresponsavelmente, os "shippam" com a Arlequina, o que é bem bizarro), entre outros? Muitas vezes chegamos a torcer pelos vilões ao invés dos heróis. Quem aí não gosta de Paola Bracho, da novela A Usurpadora?


E até mesmo os heróis menos “certinhos” estão ficando mais populares, como Deadpool e o Peter Quill, de Guardiões da Galáxia. Quantas vezes também não já vimos filmes onde o protagonista é um ladrão, por exemplo? E nós nos pegamos torcendo por ele, mesmo sabendo que roubar é errado e passível de punição.

Não estou querendo entrar em questões morais, éticas ou julgar alguém. Até por que eu também estou incluída nisso tudo. A quantidade de vilão e anti-herói que eu gosto não tá no gibi (tá sim, pera, buguei). Mas é de se pensar porque nós estamos preferindo os Lex Luthor's aos Superman's. Como a autora fala “Os heróis do passado estão se tornando os otários dos tempos modernos”. Mas aí vai vir alguém me falar “Ah, Carla, mas eu continuo preferindo o Superman, eu gosto dos heróis certinhos”. Eu estou falando da sociedade como um todo, como sempre em uma sociedade, nada (ou quase nada) será unânime, mas de uma forma geral, há muito dessa inversão. Pelo menos, eu vejo muito frequentemente por aí (me incluo nisso, porque eu adoro o Darth Vader, por exemplo).


Ana Beatriz cita algo muito recente que vem acontecendo sobre as nossas conformações com “pequenas transgressões”, como jogar papel no chão, urinar nos postes, estacionar em local proibido, etc. Ela cita uma frase que você já ouviu com certeza, eu também já ouvi inúmeras vezes: “Ele rouba mas faz”. Quer dizer que se um político dá o mínimo que é nosso por direito, ele pode continuar roubando o nosso dinheiro? Quão tolerante uma pessoa é com a corrupção a ponto de dizer uma frase dessas? E quantas vezes não amenizamos situações erradas para que elas não pareçam tão ruins? “Ele me maltrata, mas é só quando bebe, depois fica um anjo” ou a famosa “Era só brincadeira” depois de um comentário extremamente preconceituoso.


É disso que a autora fala, essa cultura psicopática trata dessas ações que temos e/ou vemos todos os dias. Fazer algo ruim e não sentir remorso porque “todo mundo faz”. Algo comum não se torna certo só porque todo mundo está fazendo. Quantas vezes também não mentimos para conseguir algo ou escapar de alguma encrenca?

Não estou falando que todo mundo está “virando” um psicopata, claro que não. Estou dizendo que todas essas ações erradas tornando-se comuns e sendo mais “aceitáveis”, facilitam o trabalho de um psicopata, que já é mal por natureza. Fica também mais difícil perceber nesse meio quando tem um psicopata por perto. Além disso, corremos o risco de achar certas atitudes típicas de um psicopata, é algo plausível na sociedade, que é "normal". O senso comum é muito perigoso por nos levar a crer que o errado, por ser comum, torna-se tolerável.


Algo que não está no livro, mas que me veio a mente quando estava lendo esta última parte, foi a humanização do SUS. Quer dizer, uma rede de saúde que cuida das pessoas, que trata diariamente com a vida humana, precisa ser humanizada. Como assim? Existem muitos casos de profissionais que não tratam bem os pacientes (tratar no sentido de se relacionar), muitas vezes, por conta do tempo, pois tempo é dinheiro e quanto mais pessoas atender, mais dinheiro entra. O que acaba deixando a consulta rápida e robótica, sem muitas conversas ou preocupações além da enfermidade. Tudo isso levou a proposta de humanização do SUS, de buscar essa típica qualidade humana de relações interpessoais com respeito e empatia.

Mas é assustador pensar que um lugar onde o cuidado é essencial, precisemos humanizar o sistema.  E não é só o SUS que precisa ser humanizado, mas todos nós enquanto indivíduos. Não adotar condutas psicóticas, extremamente narcisistas e individualistas, mas pensar como um todo, lutar pelo que nos faz humanos, ter empatia e amar o próximo — algo que um psicopata é incapaz de fazer.

“A construção de uma sociedade mais solidária é, a meu ver, o grande desafio dos nossos tempos. E, para tal empreitada, teremos que harmonizar o desenvolvimento tecnológico com a consciência que não faça nenhum tipo de concessão ao estilo psicopático de ser ou de viver. A luta contra as condutas psicopáticas é a luta pelo que há de mais humano em cada um de nós. É a luta por um mundo mais ético e violento, repleto de ‘gente fina, elegante e sincera’.”

Não quero me estender mais do que já me estendi. Espero ter passado o meu ponto de vista e minha interpretação do livro de forma clara. Por fim, quem se interessar pelo assunto, indico demais o livro Mentes Perigosas, da Ana Beatriz Barbosa Silva, é uma leitura simples e envolvente, apesar do assunto ser um pouco pesado.

Mas me diz aí, qual a sua opinião sobre tudo isso? Concorda, discorda, não é capaz de opinar? Hahaha


Lembrando que este é um artigo de opinião embasado em pesquisas e interpretações da minha pessoa, como leiga, tentando ser o mais correta e respeitosa possível. Se quiser conhecer mais a fundo sobre as mentes psicopatas, coisas mais técnicas e teóricas sobre o assunto, aconselho a pesquisar na literatura livros e artigos que falem sobre isso. Um nome que pode ajudá-lo na busca é Robert Hare, ele é um dos mais importantes estudiosos do assunto na atualidade.

Bom, espero que tenham gostado do post de hoje. Até a próxima!

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