O post de hoje é um texto feito pela Juliana Daglio, autora de Uma Canção para a Libélula e a série O Lago Negro. Ela fala de um tema muito importante e que precisa ser discutido não só nesse Setembro Amarelo, mas todos os meses. A depressão, o suicídio e as doenças psicológicas precisam deixar de ser tabu, precisamos ter conhecimento de que elas também fazem muito mal a nós, mas também tem tratamento, como qualquer doença do corpo.
Uma pessoa a cada 40 segundos morre por suicídio no mundo. O suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens. Em 90% dos casos, o suicídio poderia ter sido evitado. Os números são assustadores, mas a informação é o primeiro passo para combatermos esse mal. A depressão é perigosa, não deve ser tratada levianamente, assim como outros transtornos psicológicos. Precisamos falar sobre isso e sobre as formas de se evitar o pior. Essas pessoas precisam saber que são amadas, mais que isso, precisam da ajuda profissional e também dos familiares e amigos. Você já disse algo positivo para alguém hoje?
Com a palavra agora: Juliana Daglio, senhoras e senhores!
Você consegue ver o sol?
Eu acordei um dia e não conseguia ver o sol.
Sabia que ele estava lá, pois seu toque quente caia em minha pele, produzindo um incômodo palpável. Vi as formas das sombras das casas e das pessoas sobre o chão, movendo-se, mudando de aspecto, crescendo e diminuindo. Entretanto, não conseguia ver o sol.
Sabia que ele estava lá, pois seu toque quente caia em minha pele, produzindo um incômodo palpável. Vi as formas das sombras das casas e das pessoas sobre o chão, movendo-se, mudando de aspecto, crescendo e diminuindo. Entretanto, não conseguia ver o sol.
Por vezes achei que as luzes ultravioletas é que estivessem com defeito, ou que alguém as tivesse roubado. Culpei quem entrasse em meu caminho por ter me roubado o sol, enquanto eles me culpavam por não conseguir vê-lo. “Olha, está aqui, é só olhar!”, disseram. Ao que tudo indicava, era eu que não queria ver, que não me esforçava, que estava defeituosa e quebrada, disfuncional.
Até que eu compreendi que estava incapaz de enxergar o sol. Sim, incapaz. Não adiantava me esforçar, me dedicar, sair caminhar, pensar positivo, eu não iria vê-lo tão cedo, porque algo dentro de mim estava errado, me impedindo de capturar as matizes douradas da luz da grande estrela dos dias.
Até que eu compreendi que estava incapaz de enxergar o sol. Sim, incapaz. Não adiantava me esforçar, me dedicar, sair caminhar, pensar positivo, eu não iria vê-lo tão cedo, porque algo dentro de mim estava errado, me impedindo de capturar as matizes douradas da luz da grande estrela dos dias.
É fácil entender quando alguém realmente não pode fazer algo que esteja ao alcance dos cincos sentidos. Ver, ouvir, tatear, degustar, cheirar. É fácil se confranger da ausência de luz do sol, quando ela é literal. Mas isso é uma metáfora.
Feliz um infelizmente.
Feliz um infelizmente.
Substitua “Luz do Sol” por uma lista de sentimentos, afazeres, humores e tudo o que puder definir as interações sociais. Substitua “Luz do Sol” por alegria, vida, entusiasmo, esperança, sentido de viver, e releia o texto quantas vezes forem necessárias, porque essa era a minha vida. Quando eu estava doente. Quando eu estava incapaz. Quando eu estava deprimida.
Incapaz de reencontrar meu sentido, de ter esperanças e de perceber o amor e o cuidado das pessoas ao meu redor, eu me pequei vegetando em vida, considerando que não valia a pena existir no mundo quando todos os problemas me perseguiam como monstros dotados de garras pontudas, prontos para me ferir. Lembrava-me claramente dos meus traumas, das coisas em que fracassei e das pessoas que me rejeitaram, e não consegui ver os ganhos que tive, as boas lembranças, as pessoas que me amavam. Por que o Monstro de voz gutural da depressão, estava minguando minha capacidade de ver tudo isso, de ver a luz do sol.
Incapaz de reencontrar meu sentido, de ter esperanças e de perceber o amor e o cuidado das pessoas ao meu redor, eu me pequei vegetando em vida, considerando que não valia a pena existir no mundo quando todos os problemas me perseguiam como monstros dotados de garras pontudas, prontos para me ferir. Lembrava-me claramente dos meus traumas, das coisas em que fracassei e das pessoas que me rejeitaram, e não consegui ver os ganhos que tive, as boas lembranças, as pessoas que me amavam. Por que o Monstro de voz gutural da depressão, estava minguando minha capacidade de ver tudo isso, de ver a luz do sol.
Estou aqui escrevendo esse texto hoje, porque eu venci a maior parte dos meus colapsos depressivos. Há uma enorme diferença entre colapso e tristeza. Colapso é quando seu Eu escorrega pelo vão dos seus dedos e você perde a noção de quem é você e quem é sua doença. Passei por isso três vezes, e não foi fácil. Mas foi possível. E eu digo que venci a maior parte porque eu sei que a traiçoeira depressão pode voltar, e pode me pegar de diferentes formas.
Eu vou vencer cada uma delas.
A depressão é real; os transtornos de humor são reais. Ansiedade, pânico, fobias.
Nós não podemos ver, porque eles não causam lesões, não estouram feridas, não são visíveis a olho nu, como uma perna quebrada ou uma deficiência física. Talvez por isso seja tão difícil para as pessoas entenderem que eles existem, e que são tão severos e oferecem tanto risco à vida quanto uma doença viral, bacteriana ou uma falha sistêmica do corpo.
Nós não podemos ver, porque eles não causam lesões, não estouram feridas, não são visíveis a olho nu, como uma perna quebrada ou uma deficiência física. Talvez por isso seja tão difícil para as pessoas entenderem que eles existem, e que são tão severos e oferecem tanto risco à vida quanto uma doença viral, bacteriana ou uma falha sistêmica do corpo.
Olhe ao redor. Tem alguém incapaz de ver a luz do sol perto de você. As estatísticas não mentem. Como qualquer outra doença, os transtornos psicológicos demandam cuidado, afeto, apoio e tratamento médico. Você, que está saudável, pode oferecer isso, pode dar as mãos à pessoa que você ama e ajudá-la a vencer esse mal.
Ajudá-la a ser a heroína da própria história e poder voltar a ver as cores.
Ajudá-la a ser a heroína da própria história e poder voltar a ver as cores.
Consegui vencer um dos meus colapsos lendo livros e escrevendo um meu. Uma história sobre uma garota com depressão que encontra na arte e no amor a saída para sua Vilã Cinzenta (outra das minhas metáforas malucas). Nesse livro, usei o símbolo da minha adolescência, a Libélula, para falar da capacidade que todos guardamos de afugentar nossos fantasmas, sair do nosso exoesqueleto, ou casulo, e voar. As asas da Libélula são maiores que sua prisão, e ela precisa quebrar a pele dura para dar vazão à sua grandiosidade. Essa que, comprimida num espaço tão pequeno, dói, lateja, mata e sufoca aos poucos. Uma vez que a Libélula consiga fazer uma rachadura nesse compartimento, as asas começam a quebrar o restante.
E ela vai voar. Alto, poderosa e grandiosa.
Costumo dizer que todos nós, os que sofrem de algum transtorno psicológico, somos libélulas procurando quebrar o casulo e voar. Podemos retornar para ele, mas quando temos liberdade novamente, nossas asas ficam mais e mais fortes.
Se você conhece uma libélula, é hora de ajudá-la a encontrar o caminho da sua liberdade.
Muitos transtornos mentais têm cura, outros não, mas podemos controlar seus sintomas e aprender a viver com eles. Busque ajuda, informação e tratamento adequados. É hora de lotar esse mundo de Libélulas, de vencer os tabus sociais em torno dos transtornos metais e encontrar formas de prevenir, tratar e acolher as pessoas que estão sendo marginalizadas e julgadas por ele.
Eu acredito que podemos vencer não só essas doenças, mas o preconceito e falta de informação. Só depende de nós.
Abra a sua mente e se permita ver o mundo sob os olhos de quem desaprendeu a ver o sol.
Eu acredito que podemos vencer não só essas doenças, mas o preconceito e falta de informação. Só depende de nós.
Abra a sua mente e se permita ver o mundo sob os olhos de quem desaprendeu a ver o sol.
Juliana Daglio
Autora de Uma Canção para a Libélula e O Lago Negro (série).
Formada em psicologia pela USC- Bauru.
Caso você esteja passando por dificuldades ou conheça alguém que esteja, ligue 141 ou acesse o site da CVV - Centro de Valorização da Vida. Depressão não é frescura, depressão tem tratamento.
Obrigada pelo texto, Juliana! Espero que possa ajudar e que mais pessoas consigam enxergar o sol. Mais empatia, é disso que o mundo precisa. I'll see you soon!